Entrevista

Cidades criativas é o tema em debate no Agenda São Carlos

Evento será realizado nesta quinta-feira (12), no Sesc São Carlos


10/05/2016 14:55:00




Considerada pelo jornal espanhol “El País” uma das referências mundiais na área de economia e cidades criativas, a urbanista e assessora das Nações Unidas para o tema, Ana Carla Fonseca, é a palestrante convidada para a primeira edição do Agenda São Carlos. O seminário, organizado pela Oceano Azul Eventos, é uma iniciativa do jornal Tribuna e da rádio Jovem Pan, com o apoio institucional da EPTV. O Agenda São Carlos começa às 8h30, no Sesc. A entrada é gratuita. Leia, abaixo, os principais trechos da conversa com Ana Carla.

 

No próximo dia 12, a senhora apresenta a palestra “Cidades Criativas e Cidadania Ativa”, dentro do Agenda São Carlos. Qual a relação que existem entre os dois temas?

Uma cidade criativa apresenta três características básicas, suficientemente amplas para não servirem de camisas de força, mas bastante direcionadoras para balizarem análises: inovações, conexões e cultura. A cidadania ativa é transversal às três: exige novas formas de comunicação, de engajamento e, sobretudo, a capacidade de lançar novos olhares sobre o que muitas vezes está lá, mas não se dá a ver; conexão entre a sociedade civil, o setor produtivo e o governo, em novos modelos de governança; e a retomada da essência da cidade, representada por sua cultura.

 


Quais são, na sua opinião, os pré-requisitos para que um determinado local consiga alcançar o que define como cidadania ativa?

Transparência, liberdade de expressão, engajamento efetivo, continuidade (como processo, contrariamente a iniciativa pontual), governança compartilhada, confiança e, não menos importante, afeto pela cidade.

 


Em termos práticos, poderia citar alguns exemplos – no Brasil e no mundo – que decorram da prática de cidadania ativa?

Creio que todos os processos de transformação urbana envolvem cidadania ativa, embora em diferentes graus. Foi assim no caso de Bogotá, no qual a “cultura cidadã” foi um pilar imprescindível para reinventar a cidade, sustentando um processo engendrado pelo governo municipal; e também em Paraty, cidade que ganhou redobrada notoriedade com a FLIP mas que, na verdade, teve na festa literária um ícone de visiblidade para uma nova fase urbana, com grau majorado de cidadania ativa.

 


Esse termo (cidadania ativa) pode ser considerado uma embalagem sofisticada para o que se sempre se chamou de cidadania, uma prática diária da conquista e manutenção de direitos do cidadão por parte de indivíduos ou grupos? A cidadania, por si só, não é ativa, não se afirma na ação?

Sua percepção é correta. Infelizmente cidadania, em nossos dias e em nosso contexto, tende a ser entendida como um conjunto de direitos - a serviços básicos, à cidade, às minhas bandeiras (ainda que elas colidam com as bandeiras dos outros). Menos frequentemente é decodificada também como um conjunto de deveres - dentre os quais o de respeitar e zelar pela cidade - e, unindo direitos e deveres, o agir, o ser propositivo, praticar a transformação cotidiana do ambiente urbano, sem esperar que esse papel seja sempre do outro. Cidadania ativa requer reflexão, ação e engajamento.

 


Em relação às cidades criativas, que exemplos podem ser citados como bem-sucedidos no país, sob o ponto de vista de terem propiciado mudanças efetivas na área onde foram aplicadas?

Como toda adjetivação de cidade - inteligente, sustentável, inovadora, convergente, empreendedora -, a denominação “cidade criativa” é uma utopia, cuja grande finalidade é nos indicar para onde queremos ir, ainda que dificilmente cheguemos lá. Digo isso porque criativa não é a cidade, mas o são (ou não) seus cidadãos. Uma cidade criativa conta com determinadas características, de modo orgânico ou incentivado e a reinvenção permanente é o que talvez mais bem a defina. A relação entre ser criativa e se transformar não é de causa e consequência, como uma metodologia cuja aplicação geraria melhorias, mas sim de interdependência. Uma cidade se faz cada vez mais criativa, pari passu com as transformações que propicia.

 


São Carlos é um município que conta com um centro de excelência universitário, que é a UFSCar. Qual o papel da universidade na construção de uma cidade criativa?

Depende muito mais do como esse centro de excelência se relaciona com a cidade, do que do fato de ser um centro de excelência. Essa relação é porosa, simbiótica, quotidiana? Se não, do ponto de vista da transformação urbana, pouco adianta ser um centro de conhecimento encastelado.

 


E do poder público?

Há diferentes exemplos de processos de transformação da cidade com base em sua criatividade. Em alguns casos são catalisados pela sociedade civil, em outros por governos, em outros ainda pela iniciativa privada. Nossa experiência na área indica que, independentemente de qual desses atores acenda o fósforo da transformação, para que esse fogo se converta em labareda permanente é necessário que os outros atores - setor privado, sociedade civil - participem, como um tripé de sustentação. Qualquer desses atores estando ausente, o processo de transformação urbana atinge o limite impeditivo de mais avanços.

 


Há duas semanas, no Agenda Araraquara, o palestrante Alejandro Castañé abordou o tema da inteligência coletiva. Onde ele entra em uma cidade que se proponha criativa?

Ambos têm como ponto de interesecção o requsito da cidadania ativa. Ademais, com a maior capilaridade das tecnologias digitais, a inteligência coletiva será cada vez mais um elemento de propulsão da lógica de uma cidade criativa, favorecendo inovações, estimulando conexões e resgatando ou promovendo a cultura urbana, uma vez que esta só se faz no coletivo.

 


No mesmo evento, Castañé afirmou que ideias que não saem do papel, permanecem sendo apenas ideias. É preciso vontade para pô-las em prática. A senhora vê essa vontade na sociedade brasileira?

Ressalvando-se que temos uma miríade de sociedades brasileiras nesta vasta diversidade que é nosso país, creio que o brasileiro ainda transita mais no universo da atenção e do interesse do que no do desejo e da ação. Vejo muita energia no ar, mas nem sempre canalizada para algo mais propositivo; e muitas pessoas que empunham a bandeira de seus direitos, assumindo que prevaleçam sobre os direitos dos outros. Para ter ideias que impactem o coletivo e pô-las em prática é preciso perceber a existência do coletivo e respeitá-lo. Temo às vezes pelo que me parece ser um individualismo crescente, no qual a voz do outro só merece ser ouvida se reforçar a minha.